Estou doente. Taco, meu médico e amigo prescreveu champanhe
gelado. Brut. E gelo nas têmporas. E sabes por que estou doente?
Porque pressinto surpresas, notícias inquietantes, vindas não sei de
onde, talvez de ti. (E por outra coisa que já te digo.) Sinto também que
não devemos continuar com as cartas. Te vejo dissimulada, escondendo
algo muito sério. Por que não permites que eu vá até sua casa? O que
guardas aí? De alguma maneira me transformaste num escriba ou
melhor num escrevinhador, e só de saber que tu me pensas escritor
agiganta-me a náusea. Que tipos petulantes! Que nojosos! Esgruvinham
as virilhas, o pregueado, escarafuncham os sórdidos corações, as
alminhas magras, e daí enchem-se de arrotos quando terminam os
textos. Verdade que adoro os livros, mas se pudesse arrancar de mim a
visão dos estufados que os escreveram vomitaria menos o mundo e a
própria vida. Tínhamos um amigo, o Stamatius (!) (eu só o chamava de
Tiu, porque, convenhamos, Stamatius não dá) que perdeu tudo, casa e
outros bens, porque tinha mania de ser escritor. Dizem que agora vive
catando tudo quanto há, é catador de lixo, percebes? Vive num cubículo
sórdido com uma tal de Eulália que deve ter nascido no esgoto. Muitos o
procuram para ajudá-lo. Não quer nem saber. O Tiu quer escrever, só
pensa nisso, pirou, sai correndo de pânico quando vê alguém que o
conheceu. Carrega no peito uma medalha de Santa Apolônia, protetora
dos dentes. Ah, não tem mais dentes. Bonito o Stamatius. Elegante,
esguio. A última coisa que fez antes de sumir por aí foi torcer as bolotas
de um editor, fazê-lo ajoelhar-se até o cara gritar: edito sim! edito o seu
livro! com capa dura e papel bíblia! Só então largou as bolotas e
balbuciou feroz: vai editar sim, mas a biografia da tua mãe, aquela
findinga, aquela léia, aquela moruxaba, aquela rabaceira escrachada
que fodeu com o jumento do teu pai - e quebrou-lhe os dentes com a
muqueta mais acertada que já vi. Quebrou a mão também. Bem, mas
isso não vem ao caso. Ao caso pior: o Kraus morreu. A Cuzinho num
acesso de indignação não só a cause do apelido mas desesperada com
todas as indignidades vindas do Tom, invadiu a casa do Kraus com o
linguão de fora, e alguns dizem que o perseguiu pela casa inteira uma
boa meia hora, escobilhando a comprida. Consta que o Kraus tapava o
aro morrendo de rir literalmente. E acreditas? Morreu. O Tom quer
provar homicídio, quer o testemunho de todos os amigos e dos
terapeutas também, mas quem é que vai acreditar que um cara morreu
de rir só com a ameaça de lhe lamberem o botão? A turma do pólo está
estudando um plano, alguma nefanda crueldade para Amanda. Dizem
que vão lhe enfiar algumas bolas de pólo polpas e pombinha adentro. Se
assim for resolvido manda-me os tocos dos tais ficheiros. Haja bola!
Tom foi medicado na hora do enterro de Kraus porque não suportou ver
o amigo morto e ainda sorrindo. Estou doente por tudo isso e porque
não posso pensar na morte, nem na minha nem na do Kraus nem da
barata, tenho medo da pestilenta senhora e imagino-me puxando-lhe o
grelo, esticando-lhe os pentelhos até ouvir sons tensos arrepiantes. Hoje
gritei demente: vem, Madama, vem, e irado, numa arrancada, soltei da
pestilenta grelo e pentelhos e eles esbateram-se frenéticos nos seus
baixos meios. Se pudesse seduzir a morte, lamber-lhe as axilas, os pêlos
pretos, babar no seu umbigo, enturpir-lhe as narinas de hálitos
melosos, e dizer-lhe: sou eu, gança, sou eu, mariposa, sou Karl, esse
que há de te chupar eternamente a borboleta se tu lhe permitires longa
vida na olorosa quirica do planeta.
Ciao, irmanita.
(Cartas de um sedutor - SP: Paulicéia, 1991.)
Casa do Sol
Marcadores: Autores Preferidos, Indicarte
teu corpo é mel que escorre
em minha boca vadia
lambuza meu corpo
num sopro de fome
de sede e desejos
torrente que me lava quente
em veios de vulcão
teus dentes quando se cravam
à minha pele
atiçam mais do que paixão
uma dor que alivia tensões
Meu amor, meu homem,
meu macho e desejo
No teu corpo, só eu me atrevo
na tua boca, só eu me sacio
nos teus pensamentos
só eu quero achar-me perdida
mas é em teus sonhos que
quero que me dê morada...
Imagem: Carla - via olhares.com
Marcadores: Meus Poemas
Lavrei as mãos com o barro
Que modelaram teu corpo
Ensaboei-me de teu tom ocre
Mascavo
Gostoso
Um gosto amargo, travoso
Que adocicou meu corpo
Teu telhado em minha boca
Jardinou tulipas no ventre
Novo e fértil da minha
Orquídea vermelha
E do umbigo arredondado
Deixei chorar pratas moedas
Em ruídos de flechas
Asas de xícaras quebradas
E tua boca moldada
À minha…
Patrícia Gomes
Imagem: Ridgeviewx Kid.
Marcadores: Meus Poemas
Quando me tocava
se engrandecia
sentia-se o rei da cocada
e era pouca palha
pr'o que me consumia
Até que um dia, me toquei!
Patrícia Gomes
Imagem: fabrice Robin
Marcadores: Meus Poemas
Ela lia a poesia e sorria
Sentindo seus dedos
Brincarem em seu grelo
Gostei, disse sorrindo
Olhando pra ela
Eu gosto!
E arquejou
Enquanto se esquecia
Dos tempos verbais!
Imagem: Doug Winsor
Marcadores: Meus Poemas
Lua
Tua
Sou...
Desejosa
Nua
Estou...
E você?
O que busca
Por onde anda
Que não cede aos
Meus apelos e
Desejos quentes?
Vem, vem
Que não há paragem
Mais fresca que a
Dos picos dos
Meus seios
Nem relva mais
Macia que a do
Monte de Vênus
Que lhe indiquei
Antecedendo a gruta
Gotejante e morna
Que te deseja em riste
Pulsante à espera
De ruir em gozo
Em tua boca que
Surrura meu nome
Em desajuizado gemido
Vem...
Que o sol já aqueceu
Por demais a minha cama
Quero agora é queimar-me
Em teu fogo
Nada casto, muito menos
Fátuo e perder-me
Nas golfadas de calor
Do teu corpo, amor...
Patrícia Gomes
Imagem: Eliza Lazo Valdez
Marcadores: Meus Poemas
E os meus indicados ao mesmo selo são:
Ao Bel Prazer
Espartilho
GehSpace
Marcadores: Indicarte
Ela era gorda e miúda.
Tinha pezinhos redondos.
A cona era peluda
Igual à mão de um mono.
Alegrinha e vivaz
Feito andorinha
Às tardes vestia-se
Como um rapaz
Para enganar mocinhas.
Chamavam-lhe "Filó, a lésbica fadinha".
Em tudo que tocava
Deixava sua marca registrada:
Uma estrelinha cor de maravilha
Fúcsia, bordô
Ninguém sabia o nome daquela cô.
Metia o dedo
Em todas as xerecas: loiras, pretas
Dizia-se até...
Que escarafunchava bonecas.
Bulia, beliscava
Como quem sabia
O que um dedo faz
Desde que nascia.
Mas à noite... quando dormia...
Peidava, rugia... e...
Nascia-lhe um bastão grosso
De início igual a um caroço
Depois...
Ia estufando, crescendo
E virava um troço
Lilás
Fúcsia
Bordô
Ninguém sabia a cô do troço
Da Fadinha Filô.
Faziam fila na Vila.
Falada "Vila do Troço".
Famosa nas Oropa
Oiapoc ao Chuí
Todo mundo tomava
Um bastão no oiti.
Era um gozo gozoso
Trevoso, gostoso
Um arrepião nos meio!
Mocinhas, marmanjões
Ressecadas velhinhas
Todo mundo gemia e chorava
De pura alegria
Na Vila do Troço.
Até que um belo dia...
Um cara troncudão
Com focinho de tira
De beiço bordô, fúcsia ou maravilha
(ninguém sabia o nome daquela cô)
Seqüestrou Fadinha
E foi morar na Ilha.
Nem barco, nem ponte
O troncudão nadando feito rinoceronte
Carregava Fadinha.
De pernas abertas
Nas costas do gigante
Pela primeira vez
Na sua vidinha
Filó estrebuchava
Revirando os óinho
Enquanto veloz veloz
O troncudão nadava.
A Vila do Troço
Ficou triste, vazia
Sorumbática, tétrica
Pois nunca mais se viu
Filó, a Fadinha lésbica
Que à noite virava fera
E peidava e rugia
E nascia-lhe um troço
Fúcsia
Lilás
Maravilha
Bordô
Até hoje ninguém conhece
O nome daquela cô.
E nunca mais se viu
Alguém-Fantasia
Que deixava uma estrela
Em tudo que tocava
E um rombo na bunda
De quem se apaixonava.
Moral da estória, em relação à Fadinha:
Quando menos se espera, tudo reverbera.
Moral da estória, em relação ao morador
da Vila do Troço:
Não acredite em Fadinhas.
Muito menos com cacete.
Ou somem feito andorinhas
Ou te deixam cacoetes.
Hilda Hilst ( Bufólicas - 1992)
Ilustração: Jaguar
Marcadores: Autores Preferidos
Dói-me os peitos
em minha fase de cio...
Mas me dói mais
a falta dos teus dentes
a mordê-los....
Patrícia Gomes
Imagem: Olhares.com
Marcadores: Meus Poemas
Em trêmulos lábios
Fez morada o gosto
Do corpo teu
Em carne trêmula
Fez morada o calor
Do toque teu
Em lençóis amarrotados
Fez morada a cumplicidade
Dos desejos teus
Em cabelos desalinhados
Fez morada o suor
Dos aflitos gestos teus
Em meu extasiado olhar
Fez morada o brilho
Do jorrado gozo teu...
Imagem: Olhares.com
Marcadores: Meus Poemas
Quão belos são os teus pés
nas sandálias que trazes, ó filha de príncipe!
As colunas das tuas pernas são como anéis
trabalhados por mãos de artista.
o teu umbigo é uma taça arredondada,
que nunca está desprovida de vinho.
O teu ventre é como um monte de trigo
cercado de lírios.
Os teus dois seios são como dois filhinhos
gêmeos duma gazela.
O teu pescoço é como uma torre de marfim.
Os teus olhos são como as piscinas de Hesebon,
que estão situadas junto da porta de Bat-Rabim.
O teu nariz é como a torre do Líbano,
que olha para Damasco.
A tua cabeça levanta-se como o monte Carmelo;
os cabelos da tua cabeça são como a púrpura
um rei ficou preso às suas madeixas.
Quão formosa e encantadora és,
meu amor, minhas delícias!
A tua figura é semelhante a uma palmeira.
Eu disse. Subirei à palmeira,
e colherei os seus frutos.
Os teus seios serão, para mim, como cachos de uvas,
e o perfume da tua boca como o das maçãs.
Salomão
(retiarado da Bíblia, Velho Testamento)
Marcadores: Autores Preferidos